domingo, 5 de abril de 2009

Perigos Químicos


Luciane Lopes Rodrigues e Sandro Donnini Mancini

Notícia publicada na edição de 10/03/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno.

É óbvio que estamos sujeitos a perigos invisíveis durante toda a nossa vida, pois qualquer coisa que usemos e ingerimos, ou mesmo o ar que respiramos, pode ter algo que venha a piorar, ainda que minimamente a princípio, nossa qualidade de vida.


Atualmente, substâncias sintéticas que são classificadas como interferentes endócrinos ocorrem amplamente em rios e esgotos. Estes compostos químicos podem alterar o funcionamento do sistema endócrino, que é o conjunto de glândulas (como hipófise, tiróide, testículos e ovários), responsáveis pela produção de compostos extremamente importantes para várias funções do corpo. Essa alteração pode ocorrer, pois o interferente endócrino se ‘faz passar‘ por hormônios naturais do corpo humano. Existem muitos estudos sobre problemas relacionados a estes interferentes, tais como infertilidade, cânceres do sistema reprodutor (mama, testículo, próstata), queda na taxa de espermatozóides, deformidades dos órgãos reprodutivos, disfunção da tiróide e alterações do sistema neurológico. Outras pesquisas indicam que as mães podem passar para seus filhos os interferentes endócrinos pela placenta durante a gestação e, após o nascimento, pelo leite materno.

Talvez os interferentes endócrinos mais famosos sejam os esteróides anabolizantes, cujo uso indiscriminado suspeita-se que tenha matado a atleta olímpica norte-americana Florence Griffith-Joyner, aos 38 anos de idade, de ataque cardíaco. Na lista incluem-se ainda os estradióis (presentes em contraceptivos), alquilfenóis (usados na formulação de detergentes), ftalatos (utilizados na composição de certos tipos de PVC), bisfenol A (com o qual se faz o plástico policarbonato), pesticidas, inseticidas etc. Alguns desses compostos estão presentes nos rios e esgotos de todo o mundo e costumam ser resistentes aos processos de tratamentos (físicos, químicos e/ou biológicos) existentes na maioria das estações de tratamento de água e de esgoto.
Além da presença destas substâncias no meio ambiente, o uso de produtos derivados delas pode trazer consigo uma exposição extra, inclusive dentro de nossas casas. Estudo recente da Universidade de Cincinnati (EUA) concluiu que líquidos quentes podem liberar bisfenol A de embalagens que o contenham. Portanto, quando se realiza uma tarefa corriqueira como aquecer o leite dentro de uma mamadeira de plástico, você pode estar administrando o bisfenol A ou produtos de sua degradação à criança. O policarbonato, polímero do qual normalmente são feitas as mamadeiras (e com o qual também se fazem galões de água, lentes de óculos, CDs e DVDs), é um poliéster que tem o bisfenol A como uma das matérias-primas.

Quando se fala em plásticos, o mais lembrado da lista de vilões é sem dúvida o PVC (policloreto de vinila). Os produtos feitos com o PVC rígido, como os tubos e conexões, são considerados problemas pelo fato do PVC ser um composto organoclorado, por natureza nocivo quando respirados ou ingeridos. Já os produtos feitos com o PVC mais mole (como filmes para embalar alimentos - tipo Magipack-, bolsas de sangue e chinelo) além de serem igualmente organoclorados, contêm plastificantes geralmente à base de ftalato, um interferente endócrino. Uma vez soltos dentro do plástico, ou se o produto for utilizado em temperaturas que provoquem sua liberação, os ftalatos podem migrar para o corpo e causar distúrbios nos sistemas reprodutivo e nervoso. Além do PVC, outro plástico, o PET das garrafas de refrigerantes, também utiliza o grupo ftalato na sua fabricação. Este composto é igualmente empregado em formulações de perfumes, cremes e desodorantes, por exemplo.

É óbvio que estamos sujeitos a perigos invisíveis durante toda a nossa vida, pois qualquer coisa que usemos e ingerimos, ou mesmo o ar que respiramos, pode ter algo que venha a piorar, ainda que minimamente a princípio, nossa qualidade de vida. Embora os plásticos sejam amplamente usados no mundo todo graças a suas propriedades e qualidades, considerá-los totalmente inofensivos é um erro que não se pode cometer e saber usá-los é fundamental. É pouco provável a presença de bisfenol A não reagido, moléculas organocloradas e ftalatos soltos em produtos plásticos, assim como também é improvável que uma molécula desses polímeros se quebre, liberando compostos nocivos na temperatura ambiente. Mas não é impossível. Além disso, não se pode esquecer de que interferentes endócrinos podem estar presentes no ambiente, oriundos de processos industriais, uso e descarte indevidos e que, em muitos casos, ainda estão sendo investigados.

Luciane Lopes Rodrigues é química e aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais da UNESP. Sandro Donnini Mancini (mancini@sorocaba.unesp.br) é professor da UNESP-Sorocaba (www.sorocaba.unesp.br/professor/mancini) e escreve a cada duas semanas, às terças-feiras, neste espaço.

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