sexta-feira, 1 de maio de 2009

Carga tóxica


Desde a II Guerra Mundial, vem se verificando um vertiginoso crescimento na síntese e uso de substâncias químicas. Atualmente, estão registradas no Chemical Abstract Service (CAS) aproximadamente 46 milhões de substâncias (com cerca de 12 mil novas substâncias por dia) [1]. No Registry of Toxic Effects of Chemical Substances (RTECS), estão documentados efeitos negativos à saúde de cerca de 140 mil substâncias [2]. Estudo realizado por Landrigan estima a existência de informações toxicológicas para cerca de 20% das 60 mil substâncias em uso nos processos produtivos [3].

Nós não temos muita consciência, mas em nossos corpos ocorreu uma mudança sem precedentes na história evolutiva.

A totalidade dos habitantes dos países ocidentais apresenta em seus corpos concentrações de centenas de substâncias tóxicas perigosas, muitas delas de origem artificial.

Foram e estão sendo realizadas pesquisas muito sérias por parte de diversas instituições científicas sobre este tema. Realizando uma busca rápida no banco de dados de artigos científicos e acadêmicos chamado ISI Web of Knowledge, encontrei 445 resultados pesquisando com as palavras toxic+effects+chemical+substances [4].

Aqui no Brasil ainda temos muito a desenvolver neste tema, não existindo nenhum tipo de biomonitoramento sistemático da população. Pelo contrário, muitas substâncias químicas que possuem o seu uso proibido ou restrito nos países desenvolvidos, têm seu uso liberado por aqui.



Em 2005, estudo de Eduardo Garcia et al constatou carência, desatualização, dispersão e discrepância de dados sobre os produtos registrados. Também se observou limitada transparência quanto às informações referentes aos procedimentos de registro. Passados 10 anos da promulgação da "Lei dos Agrotóxicos", não foram obtidos avanços expressivos no que se refere aos indicadores de periculosidade à saúde (classificação toxicológica) relacionados aos agrotóxicos registrados. Mesmo após a Lei, ainda houve uma grande proporção de registros nas Classes I e II, de maior periculosidade [5].

Uma das coisas que mais contribuiu para divulgar o problema da contaminação da população foi uma campanha da WWF, que solicitou a alguns laboratórios a análise de sangue de 13 famílias (avós, pais e filhos) de 12 países europeus.

Foram detectados 76 produtos tóxicos, persistentes e biocumulativos, com uma média de 18 compostos por pessoa, muitos destes encontrados em produtos de uso e consumo diários. Evidentemente que o número de substâncias encontradas depende de quantas estão sendo pesquisadas. Neste caso, foram rastreados 101 compostos. Em outro estudo na Inglaterra, foram encontradas evidências da presença de DDT e PCBs, duas substâncias químicas perigosas que foram banidas décadas atrás, em 99% das 155 pessoas que eles testaram. Se houvesse rastreado para detectar milhares de substâncias, se encontrariam quantas substâncias? Centenas delas?



Entre as substâncias detectadas apareceram pesticidas organoclorados tais como o hexaclorobenzeno (HCB), as bifenilas policloradas (PCBs), o lindano e o endosulfan, dioxinas, DDT, ftalatos, compostos perfluorados... Substâncias sobre as quais, com freqüência, têm vasta literatura científica que as associam aos mais diversos e possíveis problemas sanitários. Os poluentes organohalogenados são substâncias persistentes e neurotóxicas. Os PCBs e ftalatos causam desequilíbrio nos hormônios gonadais e da tireóide, enquanto que as dioxinas são as substâncias sintéticas mais tóxicas e carcinogênicas conhecidas [6, 7, 8].

São substâncias que chegam a nós através da dieta, da água, do ar, inclusive às vezes, pelos cosméticos, perfumes etc.

A crença geral é que essas substâncias estão presentes em nosso corpo em níveis “baixos” e que, portanto, não devemos acreditar que possam gerar efeitos sobre a nossa saúde.

No entanto, o que a ciência mais avançada nos diz, aplicando a melhor tecnologia de estudo, é que níveis “baixos” de determinadas substâncias produzem efeitos biológicos, às vezes com efeito ainda maior que níveis mais “altos”.


Referências:


[1] CHEMICAL ABSTRACT SERVICE (CAS). http://www.cas.org/. Acesso em 01 de maio de 2009.

[2] NIOSH. National Institute for Occupational Safety and Health. Registry of Toxic Effects of Chemical Substances. 1997. http://www.cdc.gov/NIOSH/pdfs/97-119.pdf. Acesso em 01 de maio de 2009.

[3] Landrigan, P.J. Commentary: environmental disease – a preventable epidemic. Americam Journal of Public Health. 1992, 82: 941-943.

[4] ISI WEB OF KNOWLEDGE. http://apps.isiknowledge.com. Acesso em 01 de maio de 2009.

[5] Garcia, E.G., Bussacos, M.A., Fischer, F.M. Impacto da legislação no registro de agrotóxicos de maior toxicidade no Brasil. Revista de Saúde Pública. 2005, vol. 39, n. 5.

[6] Penteado, J.C.P., Vaz, J.M. O legado das bifenilas policloradas (PCBs). Química Nova. 2001, vol. 24, n. 3.

[7] Dórea, J.G. Persistent, bioaccumulative and toxic substances in fish: Human health considerations. Science of Total Environment. 2008, vol. 400, issues 1-3: 93-104.

[8] Huff, J.E., Salmon, A.G. Hooper, N.K. Zeise, L. Long-term carcinogenesis studies on 2,3,7,8-tetrachlorodibenzo-para-dioxin and hexachlorodibenzo-para-dioxins. Cell Biology and Toxicology.1991, vol. 7, issue 1: 67-94.

domingo, 5 de abril de 2009

Preste atenção nos adoçantes e produtos diet



Hoje em dia, temos cada vez mais adultos e crianças com problemas para controlar o peso e é claro, procurando alternativas para o velho e calórico açúcar. O quê aparentemente parece uma decisão saudável, que trará benefícios à saúde, ou no mínimo para manter o corpo magro, pode acabar sendo uma cilada.

Vocês perceberam que atualmente a Coca-Cola faz muita propaganda da Coca-Cola Zero e quase nenhuma da Coca-Cola Light? Vocês sabem também que a Coca-Cola Zero é proibida nos EUA? E sabem o porquê?

O adoçante utilizado na Coca-Cola Zero é o ciclamato de sódio, muito mais barato que o aspartame, que é usado na Coca-Cola Light. Este é o motivo do marketing violento deste produto: MAIS LUCRO! E o motivo dele ser proibido nos EUA é que ele é CANCERÍGENO, pasmem! É comum nós acreditarmos que os produtos que estão disponíveis nas prateleiras dos supermercados são inofensivos e seguros. Pensamos "Alguém deve estar pensando nisso, zelando pela nossa saúde, não preciso me preocupar", principalmente, quando os produtos são de grandes empresas, consolidadas no mercado. Ledo engano... SEMPRE devemos nos preocupar! É a lógica do capitalismo selvagem que vivemos. Portanto, vamos ler os rótulos, as bulas, e procurar informações sobre o que estamos consumindo. Lembrem-se: quanto mais industrializado o produto, maiores são as perdas nutritivas e maior a presença de substâncias sintéticas, que nem sempre foram bem estudadas quanto à sua segurança, principalmente a longo prazo.



Voltando ao ciclamato de sódio, ele é uma substância sintetizada pelo homem, classificada como edulcorante, que tem a capacidade de adoçar os alimentos, assim como o açúcar, mas com um poder adoçante muito maior que este último. Ele é permitido aqui no Brasil e a dose diária recomendada é de 11 mg/kg/dia, ou seja para uma pessoa de 60 kg, a dose máxima é de 660 mg. Uma lata de Coca-Cola Zero contém 84 mg. Que maravilha! Podemos tomar 7 latas/dia! Continuemos...

Você pode encontrar o ciclamato em diversos adoçantes vendidos no mercado, tais como, o Assugrin, Sucaryl, Doce Menor, Tal e Qual, Adocyl, Zero-Cal, Finn, Stevia Lowçucar e em diversos produtos diet, como é o caso da Coca-Cola Zero, Sprite Zero, entre outros.

O ciclamato de sódio está proibido nos EUA desde 1969, quando o FDA (Food and Drug Administration), principal órgão de controle de alimentos e fármacos dos EUA, com base em pesquisas realizadas em ratos que associaram o uso deste adoçante com câncer na bexiga, removeu a substância da listagem conhecida como GRAS, substâncias normalmente reconhecidas como seguras para uso em alimentos.

Mais recentemente estudo de Ferraz de Arruda et al. indicou danos aos rins, retardo no desenvolvimento fetal e índice de maturação placentária reduzido de ratos. Outro estudo, de Andreatta et al. confirmou a relação entre o uso contínuo de adoçantes por 10 anos ou mais, ao câncer do trato urinário.

Quem quiser correr o risco, sinta-se à vontade!

Referências:
http://www.cocacolabrasil.com.br/conteudos.asp?item=3&secao=36&conteudo=127
Brantom, P.G.; Gaunt, I.F.; Grasso, P. Long-term toxicity of sodium cyclamate in mice. Food and Cosmetics Toxicology, v. 11, n. 5, p. 735-746, out. 1973.
Andreatta, M.M. et al. Artificial sweetener comsuption and urinary tract tumors in Cordoba, Argentina. Preventive Medicine, v. 47, n. 1, p. 136-139, jul. 2008.

Perigos Químicos


Luciane Lopes Rodrigues e Sandro Donnini Mancini

Notícia publicada na edição de 10/03/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno.

É óbvio que estamos sujeitos a perigos invisíveis durante toda a nossa vida, pois qualquer coisa que usemos e ingerimos, ou mesmo o ar que respiramos, pode ter algo que venha a piorar, ainda que minimamente a princípio, nossa qualidade de vida.


Atualmente, substâncias sintéticas que são classificadas como interferentes endócrinos ocorrem amplamente em rios e esgotos. Estes compostos químicos podem alterar o funcionamento do sistema endócrino, que é o conjunto de glândulas (como hipófise, tiróide, testículos e ovários), responsáveis pela produção de compostos extremamente importantes para várias funções do corpo. Essa alteração pode ocorrer, pois o interferente endócrino se ‘faz passar‘ por hormônios naturais do corpo humano. Existem muitos estudos sobre problemas relacionados a estes interferentes, tais como infertilidade, cânceres do sistema reprodutor (mama, testículo, próstata), queda na taxa de espermatozóides, deformidades dos órgãos reprodutivos, disfunção da tiróide e alterações do sistema neurológico. Outras pesquisas indicam que as mães podem passar para seus filhos os interferentes endócrinos pela placenta durante a gestação e, após o nascimento, pelo leite materno.

Talvez os interferentes endócrinos mais famosos sejam os esteróides anabolizantes, cujo uso indiscriminado suspeita-se que tenha matado a atleta olímpica norte-americana Florence Griffith-Joyner, aos 38 anos de idade, de ataque cardíaco. Na lista incluem-se ainda os estradióis (presentes em contraceptivos), alquilfenóis (usados na formulação de detergentes), ftalatos (utilizados na composição de certos tipos de PVC), bisfenol A (com o qual se faz o plástico policarbonato), pesticidas, inseticidas etc. Alguns desses compostos estão presentes nos rios e esgotos de todo o mundo e costumam ser resistentes aos processos de tratamentos (físicos, químicos e/ou biológicos) existentes na maioria das estações de tratamento de água e de esgoto.
Além da presença destas substâncias no meio ambiente, o uso de produtos derivados delas pode trazer consigo uma exposição extra, inclusive dentro de nossas casas. Estudo recente da Universidade de Cincinnati (EUA) concluiu que líquidos quentes podem liberar bisfenol A de embalagens que o contenham. Portanto, quando se realiza uma tarefa corriqueira como aquecer o leite dentro de uma mamadeira de plástico, você pode estar administrando o bisfenol A ou produtos de sua degradação à criança. O policarbonato, polímero do qual normalmente são feitas as mamadeiras (e com o qual também se fazem galões de água, lentes de óculos, CDs e DVDs), é um poliéster que tem o bisfenol A como uma das matérias-primas.

Quando se fala em plásticos, o mais lembrado da lista de vilões é sem dúvida o PVC (policloreto de vinila). Os produtos feitos com o PVC rígido, como os tubos e conexões, são considerados problemas pelo fato do PVC ser um composto organoclorado, por natureza nocivo quando respirados ou ingeridos. Já os produtos feitos com o PVC mais mole (como filmes para embalar alimentos - tipo Magipack-, bolsas de sangue e chinelo) além de serem igualmente organoclorados, contêm plastificantes geralmente à base de ftalato, um interferente endócrino. Uma vez soltos dentro do plástico, ou se o produto for utilizado em temperaturas que provoquem sua liberação, os ftalatos podem migrar para o corpo e causar distúrbios nos sistemas reprodutivo e nervoso. Além do PVC, outro plástico, o PET das garrafas de refrigerantes, também utiliza o grupo ftalato na sua fabricação. Este composto é igualmente empregado em formulações de perfumes, cremes e desodorantes, por exemplo.

É óbvio que estamos sujeitos a perigos invisíveis durante toda a nossa vida, pois qualquer coisa que usemos e ingerimos, ou mesmo o ar que respiramos, pode ter algo que venha a piorar, ainda que minimamente a princípio, nossa qualidade de vida. Embora os plásticos sejam amplamente usados no mundo todo graças a suas propriedades e qualidades, considerá-los totalmente inofensivos é um erro que não se pode cometer e saber usá-los é fundamental. É pouco provável a presença de bisfenol A não reagido, moléculas organocloradas e ftalatos soltos em produtos plásticos, assim como também é improvável que uma molécula desses polímeros se quebre, liberando compostos nocivos na temperatura ambiente. Mas não é impossível. Além disso, não se pode esquecer de que interferentes endócrinos podem estar presentes no ambiente, oriundos de processos industriais, uso e descarte indevidos e que, em muitos casos, ainda estão sendo investigados.

Luciane Lopes Rodrigues é química e aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais da UNESP. Sandro Donnini Mancini (mancini@sorocaba.unesp.br) é professor da UNESP-Sorocaba (www.sorocaba.unesp.br/professor/mancini) e escreve a cada duas semanas, às terças-feiras, neste espaço.